quarta-feira, março 28, 2007

Recurso de personalidade

Talvez fosse um embuste para si próprio. Talvez sempre soubesse que não era real aquilo tudo em que se refugiava para desculpar o modo de agir. Haviam inúmeras limitações dentro de si e tentara construir em seu redor uma armadilha que captasse as atenções que de outra maneira lhe fugiriam. Reconhecia que não seria algo muito abrangente mas, no entanto, existia um determinado grau eficácia associado à persistência. Levou este seu papel tão a sério que acabou preso a ele, não sabendo, a certo ponto, se o que pretendia passar para fora seria parte de tal desempenho, ou realidade. De algum modo pareceu-lhe integrar as linhas de alguém, muito embora noutra categoria do sensível. Procurando bem num dicionário, que não forçosamente de magnifica colheita, poderia dar de caras com a palavra falsidade.
Caminhando neste reconhecimento pessoal, perguntava-se por que razão se andara a destruir. De algum modo, havia que encaixar na sua representação todas as mágoas consecutivamente preservadas em álcool, até que a sua memória começasse a evidenciar sinais de estar a derreter. Teria ainda que dar um destino aos dias declinados num fumo apetecivelmente ilusório, quando o único pensamento era acabar com apetência para tomar consciência de si. Afinal levara demasiadamente a peito o seu teatro e, apesar disso, os resultados revelam-se longe de satisfatórios. Ao fim e ao cabo, haviam sido meses e meses, anos mesmo, de um cinismo que anteriormente não reconhecia dentro de si. Nesse anteriormente, nada conseguira pelo seu eu, e agora esse mesmo eu, esfrangalhado pela actividade da personagem que criara, já não era capaz de se manifestar.
Estava sentado à mesa da cozinha, acompanhado pelo silêncio da casa. Todas estas deambulações tinham sido periodicamente interrompidas para encher de vinho o copo e cuja garrafa neste momento repousava vazia à sua frente. Decidiu-se a arrastar-se para a sala, onde na pequena garrafeira o esperava alguma garrafa de vodka.

2 comentários:

Zara disse...

só mar à nossa volta, árvores, um número contadinho de priolos e muita tasca, põem um gajo a pensar...

nuno disse...

amigo


moaszdjn