quarta-feira, julho 26, 2006

Descanso

Entrou no apartamento que alugára faziam agora quatro meses e meio. Havia sido uma tentativa de reinício. Seria a derradeira vez que tal aconteceria. Não tinha rescendido o contrato de arrendamento com o seu senhorio. De qualquer modo, na próxima moradia os advogados, caso viessem a ser chamados, e o juíz, por conseguinte, não o poderiam contactar.
Pousou a mala que transportava a tiracolo sobre o velho sofá negro e dirigiu-se ao quarto. Um diminuto compartimento desprovido de beleza e bom-gosto. Apenas uma curta cama de corpo- e-meio sem companhia de uma mesa-de-cabeceira, que para isso está lá o chão, uma mesa de cozinha meio desengonçada e a respectiva cadeira, a fazer as vezes de escreveninha, que em frente tinha um pequeno armário, para as suas roupas que gritavam por substituição, ao fundo da cama. Dirigiu-se à janela única do quarto e fechou-a, descendo-lhe as persianas. Nunca mais olharia as traseiras do prédio do outro ladop do beco. Um bloco gigantesco de curtíssimos apartamentos de baixo preço e qualidade sofrível, que lhe permitia ver a luz do dia das doze às quatorze. Um grande trabalho urbanístico! Aproximou-se do aquecedor a gás e ligou-o. Saiu em direcção à sala e voltou com um segundo aquecedor a gás que colocou, lado a lado com o anterior, ao fundo da cama. Acendeu-o também e regulou ambos a dois terços da potência. O frio não assim tão enregelador mas brevemente isso seria um pequeno detalhe. Pegou num toalhão de banho, do qual fez um rolo, e colocou-o a tapar o espaço entre a porta e o chão. Não entraria nem sairia ar. A duas toalhas de rosto deu-lhes a mesma função vedante mas agora aplicadas à janela. Começava a ficar abafado. Despiu-se, deixando-se ficar em roupa interior, e estendeu-se de costas sobre a cama.
A cabeça já estava vazia. Já liberta da angústia das últimas semanas. Passára o momento crítico da hesitação. O ponto de não retorno. Convencera-se e afastára qualquer remorso do seu acto. Estaria livre e dormiria profundamente. Em breve começaria a sentir invádi-lo uma pesada sonolência e nada faria para lhe resistir. O sono retemperador dos espíritos, seja bem-vindo.
Levantou um pouco a cabeça e assegurou-se que sobre a mesa descansava o recado escrito para quem quer que fosse que o viesse tentar acordar.
Pois então, pensou, venha a mim o doce produto da combustão.

A quem isto encontrar e a quem de direito. Seja lá quem for!
Espero que compreendam este gesto que, enfim, veio para me salvar da angústia e apodrecimento da minha alma. Do meu "eu" há muito tempo apagado. Já não o suportava!
Agora, tomada a decisão, estou leve e, quem sabe, virá algo melhor. O desespero de vos ver desiludidos de mim levou-me, implacavelmente, à desilusão de mim próprio. Não me suportava.
O desespero auto-mutilativo não me era permitido por não aguentar em demasiado a dor. A decadência, o álcool, as drogas, a displicência de mim, apagavam-me para vocês. A mim, tudo isso me queimava e ardia no coração sem conseguir alienar-me.
Apenas peço desculpa por só agora conseguir chegar ao fim e vos ter desiludido tanto.
Até sempre e sempre vosso.

sexta-feira, julho 21, 2006

Ainda há pouco apeteceu-me dizer-lhes:

'Dasse, até que enfim!

terça-feira, julho 18, 2006

"..."

Não sei se já percebeste mas estou a ignorar-te!

Precisa-se

Presença tranquilizadora que harmonize o espírito.

Não há

  • uma faca com bom fio.
  • um cinto para 70kg.
  • uma varanda com suficiente altura.
  • um frasco com forte soporífero.

quarta-feira, julho 05, 2006

Vou viver com livres metas perdidas

Vou velejar contra lestas marés promissoras.
Venço vagas contagiantemente lustrosas mudando projectos.
Vagueio valas comatosas lendo milhentas propagandas.
Vomito vincadas considerações lixiviando munições poderosas.
Volatilizo vontades construídas longamente minando profecias.

Cancerosamente

Olham-se os dedos encardidos de anos a fio de fumo em fuga do cilindro de nicotina. Pensa-se no sabor desértico que envolve a boca e que antecede a acção poluidora nos pulmões. Acende-se o cigaroo manual e olha-se a mortalha a ser consumida pela combustão. Os olhos irritam-se a ponto de quase lacrimejarem o fumo invasor. Os dígitos sentem o calor que se aproxima irreversivelmente. A porção inferior do objecto de inconsciente prazer mórbido humedece de saliva que dissolve o amarelo tórrido dos fiapos de tabaco. Uma última aspiração que queima os lábios e as unhas. Está acabado o cigarro. Apaga-se. Outro virá.