quinta-feira, agosto 31, 2006

Alheamento

Deixou-se ficar sentado naquela sala mal iluminada. O seu olhar perdia-se na imensidão da parede branca em sua frente. Mirava e remirava cada ponto da parede como se cada ponto, igual ao anterior, tive a sua particularidade. Enconsto-se contra a almofada que havia nas suas costas. Afundou-se nela e procurou a melhor posição. Ficou-se na semi-escuridão a fixar a parede. Não havia som que lhe chegasse aos ouvidos. Não se pressentia qualquer movimento para além das quatro paredes que o rodeavam. Pela cortina que cobria o que pensava ser uma janela à sua direita entrava uma ténue luz e que lhe permitia ver o branco das paredes. Deixou-se estar.
Não tinha noção de quanto tempo teria passado naquela divisão. Uma hora. Duas horas. Quatro horas. Não sabia. Continuava na mesma posição, recostado. Apenas sentia o tenuíssimo movimento do peito ao respirar. De quando em quando apercebia-se do bater do seu coração. O olhar, esse continuava a deambular pelo vazio da parede em frente. Era algo de bizarro aquele compartimento e a sua presença nele. Continuou naquela imobilidade.
O tempo seguramente que passava. O tempo sempre passa, nunca se detem por razão alguma. O seu organismo não se queixava de nada e de nada, talvez, se apercebia. Apesar de não ter feito qualquer movimento não sentia necessidade disso. Nem para desentropecer as articulações. Como se ao longo daquele tempo as tivesse exercitado regularmente para não emperrarem quando fossem precisas. Não havia movido um dedinho do pé, nem um dedinho da mão. Igualmente estranho era ainda não ter sentido vontade de ir a uma casa-de-banho ou de comer. De alguma forma o seu corpo abdicára de necessidades, talvez.
Continuou sentado. Sempre na mesma posição. A respirar. Com o coração a bater. A olhar a parede. Parado. Tinha a nítida sensação de que mesmo querendo não lhe teria sido possível mexer. Nada o demoveria daquela inércia. Assim, prosseguiu no estado letárgico que se estendia já por um tempo indeterminável. Também a luz que entrava não sofria alteração de intensidade. Mínima que fosse. Não sentira correr a mais insignificante corrente de ar no quarto e a cortina que parecia ser bastante leve não se movera. Na sua cabeça, estava num quarto interior, pois caso contrário, face ao tempo a que julgava estar ali, já seria noite. Pelo menos a luz já teria enfraquecido com o declinar do dia.
Segundo, minutos, horas. Possivelmente muitas horas. No entanto, não sentia tédio algum por toda aquela inactividade prlongada. Não tinha necessidade de se levantar, de se mover, de mudar de posição. Era-lhe evidente que poderia, ao menos, deslocar-se até à cortina e espreitar o que haveria para lá daquele compartimento. Continuou sentado. Não teve mesmo qualquer intenção de se deslocar. Foi um pensamento no estado puro. Sem nenhuma ligação com centros motores do corpo. E continuou a olhar a parede.
Manteve-se assim, nada mudava. A parede continuava parcamente iluminada e os seus olhos a percorrê-la. Colhia-lhe todos os pormenores inexistentes. Unicamente o branco, sem variantes de tom. Apenas branco liso e uniforme. No entanto, mantinha a sua observação ininterrupta.
O tempo passava. Continuava sentado. A parede estéril no olhar. O tempo passava. Corria ou andava? Era-lhe indiferente, ali na sua imobilidade. Sem um esgar da face. Um espirro, um bocejo, um tossicar. Nada. Zero. Limitava-se a estar naquele compartimento e a olhar.

2 comentários:

jojo disse...

acho q te compreendo...o nada do existir...

nuno disse...

alguem aqui precisa de uma cerveja.