Apesar de insistir para que não o fizesse, continuei. As suas lágrimas incomodavam-me mas não quis saber disso. Para quê estas lágrimas? Mais um empecilho à minha decisão de acabar com aquilo. Depois seria tudo melhor, sem ela. Pareciam mesmo reais a dor e o sofrimento que ela tentava expressar. Pareciam, digo eu, ela dizia que aquilo era verdadeiro. Não era para que eu tivesse dó. Eu continuei como se não houvesse amanhã. E não haveria mesmo.
Aproximei-me dela, fiquei a escassos centímetros. Mostrava-lhe o que acabaria com o sofrimento. Vi nos olhos dela o terror. Pus-lhe a mão sobre a esquerda do peito e senti o palpitar vertiginoso do seu coração. Vai daí e ela estava mesmo aterrorizada com o que pensava que e iria suceder! Quem sabe? O seu rosto deformado chorava uivando perante a possível perda da vida.
Possível, não. Iria mesmo acontecer.
Ouvia implorar e rogar que não, que não continuasse. Apetecia-me bater-lhe, já me incomodava. No entanto, nunca seria capaz de a agredir e manchar as minhas mãos com tal acto. Prossegui tentando ignorar os seus gritos de que tudo seria diferente daí em diante e retomaríamos um caminho harmonioso e feliz.
Não quero saber. Vou ter de acabar com tudo rapidamente porque também já me sinto extenuado. Cansado. Esta tortura já dura largos minutos e tencionava despachar isso muito rapidamente. Tinha sido um caminho de flagelo mas tudo superficial. Os golpes aplicados com teriam dado um bom quadro de sentimentos confusos sobre uma tela. O peito era uma mancha penosamente confusa de rasgões sobre a carne com lascas ainda pendentes, outras espalhadas já pelo chão daquele compartimento. O mindinho arrancado dolorosamente era caminhado por formigas que cruzavam o assoalhado. As membranas interdigitais não existiam, o palmo havia aumentado. Fios de sangue escorriam pernas abaixo. Vários centímetros foram penetrados em carne até sentir tocar o fémur e a perna parecer em postas. O sorriso que havia sido elogiado anteriormente alargara-se à direita com um extenso lábio inferior pendente. Vislumbravam-se dentes abundantemente ensanguentados.
A tudo isto ela tinha dito não, não faças isso! Tinha chorado copiosamente em dor, disse ela, a cada mutilação. Só faltava o passo final.
Havia sido uma grande compra para o trem de cozinha aquela faca de trinchar sempre mantida bem afiada. Aproximei-a da garganta perante o choro convulsivo e gritos lancinantes. Só faltava isto. Gesto rápido e cirurgicamente preciso, desfilou profundamente da esquerda para a direita, torneando o pescoço, apanhando num segundo jugular e garganta, rasgando todos os tecidos à passagem. Um jorro de quente desceu peito abaixo na carne descoberta do peito.
Já quase não a ouvia. Ansiara a aquele momento há algum tempo e havia chegado. Felizmente. Sentira apenas uma fria e aguda dor correr o pescoço, a dor de carne cortada. Tudo estaria acabado em breves segundo. Deixei-me cair no chão, aliviado. As últimas convulsões de um corpo que se esvai de vida. Ela continuava do outro lado da grade que nos separava naquele compartimento.
Poderia ter sido de outra forma mas já não suportava a pressão de viver a teu lado, nem a certeza de te ver não te tendo a meu lado. Fechei os olhos e vi pela última vez o teu rosto vivo.
Morri…
quarta-feira, novembro 09, 2005
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3 comentários:
Orofundo, porque me toca. De uma forma estrannha dou sentido as tuas palavras. Para mim certamente completamente diferente do original. Mas arrepiaste-me. Foi isso que quiz dizer. foi isso que ao ínicio estranhei mas que agora me faz vir ver sempre que posso a verborreia que para aqui vais debitando.
Sinto a tua falta.
Um beijo
bolas! apetece-me pôr isto em palco!
a quantidade de coisas e cenários q me passaram pela cabeça!
sexta 12 e sábado 13 estou no porto. estás por aí?
maf
é assustador. é lindo.
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