segunda-feira, novembro 28, 2005

Em erro

Quero que desapareçam todas da minha vida, género maldito. Quero que desapareçam dos meus dias. Quero que desapareçam todas das minhas memórias. Quero que desapareçam todas do meu coração.
Maldito seja tu, órgão propulsionador do corpo humano. Que fraco és perante a belezas que te foram apresentadas. Nunca conseguiste aguentar a pressão de estar vago. Nunca a liberdade te aprazou. Com medo de estar morto foste saltando de frustração em frustração porque deste modo podias dizer que sofrias com algo nobre e belo apesar de tudo isso te apertar de forma esmagador após maravilhado do impacto e depois da descoberta da anunciada recusa.
A frustração encheu-te sempre e continuas a cair em erro.

Tempo

Encher o tempo… do que quer que seja. De tudo, menos de pensamentos de mim próprio.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Passo final

Apesar de insistir para que não o fizesse, continuei. As suas lágrimas incomodavam-me mas não quis saber disso. Para quê estas lágrimas? Mais um empecilho à minha decisão de acabar com aquilo. Depois seria tudo melhor, sem ela. Pareciam mesmo reais a dor e o sofrimento que ela tentava expressar. Pareciam, digo eu, ela dizia que aquilo era verdadeiro. Não era para que eu tivesse dó. Eu continuei como se não houvesse amanhã. E não haveria mesmo.
Aproximei-me dela, fiquei a escassos centímetros. Mostrava-lhe o que acabaria com o sofrimento. Vi nos olhos dela o terror. Pus-lhe a mão sobre a esquerda do peito e senti o palpitar vertiginoso do seu coração. Vai daí e ela estava mesmo aterrorizada com o que pensava que e iria suceder! Quem sabe? O seu rosto deformado chorava uivando perante a possível perda da vida.
Possível, não. Iria mesmo acontecer.
Ouvia implorar e rogar que não, que não continuasse. Apetecia-me bater-lhe, já me incomodava. No entanto, nunca seria capaz de a agredir e manchar as minhas mãos com tal acto. Prossegui tentando ignorar os seus gritos de que tudo seria diferente daí em diante e retomaríamos um caminho harmonioso e feliz.
Não quero saber. Vou ter de acabar com tudo rapidamente porque também já me sinto extenuado. Cansado. Esta tortura já dura largos minutos e tencionava despachar isso muito rapidamente. Tinha sido um caminho de flagelo mas tudo superficial. Os golpes aplicados com teriam dado um bom quadro de sentimentos confusos sobre uma tela. O peito era uma mancha penosamente confusa de rasgões sobre a carne com lascas ainda pendentes, outras espalhadas já pelo chão daquele compartimento. O mindinho arrancado dolorosamente era caminhado por formigas que cruzavam o assoalhado. As membranas interdigitais não existiam, o palmo havia aumentado. Fios de sangue escorriam pernas abaixo. Vários centímetros foram penetrados em carne até sentir tocar o fémur e a perna parecer em postas. O sorriso que havia sido elogiado anteriormente alargara-se à direita com um extenso lábio inferior pendente. Vislumbravam-se dentes abundantemente ensanguentados.
A tudo isto ela tinha dito não, não faças isso! Tinha chorado copiosamente em dor, disse ela, a cada mutilação. Só faltava o passo final.
Havia sido uma grande compra para o trem de cozinha aquela faca de trinchar sempre mantida bem afiada. Aproximei-a da garganta perante o choro convulsivo e gritos lancinantes. Só faltava isto. Gesto rápido e cirurgicamente preciso, desfilou profundamente da esquerda para a direita, torneando o pescoço, apanhando num segundo jugular e garganta, rasgando todos os tecidos à passagem. Um jorro de quente desceu peito abaixo na carne descoberta do peito.
Já quase não a ouvia. Ansiara a aquele momento há algum tempo e havia chegado. Felizmente. Sentira apenas uma fria e aguda dor correr o pescoço, a dor de carne cortada. Tudo estaria acabado em breves segundo. Deixei-me cair no chão, aliviado. As últimas convulsões de um corpo que se esvai de vida. Ela continuava do outro lado da grade que nos separava naquele compartimento.
Poderia ter sido de outra forma mas já não suportava a pressão de viver a teu lado, nem a certeza de te ver não te tendo a meu lado. Fechei os olhos e vi pela última vez o teu rosto vivo.
Morri…

terça-feira, novembro 08, 2005

Um dia

Um dia há-de vir em que te terei. Um dia... E nesse momento, estarei feliz.
Poder-te-ei dar mão sem pensar a cada segundo que passa, Que raio estou eu aqui a fazer, sentido a tua pele na minha mão. Não ser só a mão de quem puxa um ser completamente embriagado e amorfo. Alguém que se deixa puxar pela tua compaixão, que não percebe que só tento não sentir e fugir. Ou fazes que não percebes e não me dizes nada.
Na verdade, nem vale a pena dizeres nada. Seria como os prémios de consolação e até já conheço o discurso de agradecimento de cor e salteado. Só me faria sentir pior porque sei que coisa alguma alterará as coisas. Só o acaso… Só o acaso… O acaso… O acaso… O acaso do amor... Essa execrável coisa que brota do coração.
O ódio e o desprezo mais valeriam.

Destino

Há pessoas que vivem para não morrer.
Outras haverá que vivem para morrer.
Outras ainda as há que morrem para viver.
Mais, haverá aquelas que morrem para não viver.

Fase

Isto há-de ir embora mais dia, menos dia. É só uma fase. Creio…
Imagina que esta vida é apenas uma parte de uma existência eterna, ou pelo menos mais além, que se prolongará depois do seu fim. Então, esta decadência, esta auto-destruição como tu definiste, não deixará de ser só uma fase, como eu designei para me desculpar. Quando chegar a morte biológica estarei numa outra parte da existência, entrarei noutra fase. Aí, começarei de novo e abandonarei esta figura desiludida. Acreditas nisto? Bom!
Asseguro-to, eu não acredito em nada para lá da morte, excepção feita ao decaimento das carnes. Chegado a esse ponto, fim.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Indefinido

Creio que passo demasiado tempo sozinho. Não há espaço para um convívio mais aberto, um desabafo mais pesado. Não há espaço para divagações imbecis de qualquer género, delírios ou sentidos.

Sinto-me sentidamente de rastos. Acabado mesmo. Amalgama indistinguível.

Como querer algo ti? Para mim és uma incógnita tão grande, tal como sou para mim próprio. És-me estranha, sou-me estranho. És bonita. Beijo.

Cinza

Um dia houve em que olhou da almofada de sua cama para lá do vidro da janela e o único pensamento que lhe passou pela cabeça foi se hoje já seria amanhã. No dia anterior, lembrou, havia tido o mesmíssimo pensamento. Será que hoje já é amanhã? Isto torna-se cada vez mais uma ideia recorrente. Será que se deveria preocupar com esta repetição? Talvez não. Provavelmente é só mais uma fase. Mas que raio de fase é esta, homem?
Está cinzento o céu lá fora. Nem apetece levantar. Mesmo nada. Vai deixar-se ficar. Só mais cinco minutinhos. Ainda para mais apanhou frio ontem à noite e agora o nariz entupiu, a cabeça pesa. Custa respirar. Mais cinco minutos.
Fecha os olhos e tenta pensar em coisas agradáveis que o possam fazer sair do confortável dos lençóis. Não seria difícil à primeira vista. As superfícies. Então, e algo pelo qual valha mesmo apenas levantar? Fecha ainda mais olhos como quando criança para afastar os medos maiores. Engraçado que se fecharmos os olhos com maior força os medos não são tão susceptíveis de nos atingir. Nada.
Está bem, vamos lá! Ah, convicção! Isso mesmo rapaz. Vamos preparar-nos para mais um dia premonitório. Mais vinte e quatro horas de visibilidade indiferente. Vamos fingir que temos relevo. Uma banhoca para acordar. Água quente sobre a cabeça para que a dureza da manhã não apague logo o conforto da noite dormida. No final, arrefece-se a água alguns graus para sentir a contracção muscular e o corpo vivo. Que bem se está!

Autocarro

Será que a vida tem alguma semelhança com a escolha de lugar num autocarro quando se hipóteses de escolha?
Sentamos de costas quando não queremos encarar a vida de frente. Só vemos as coisas passarem e afastarem-se. Já não dá para lhes apreciarmos a beleza e as oportunidades. Vão-se embora.
Sentamos de frente quando estamos abertos à novidade. Conseguimos ver as oportunidades e tocamos para nela ficarmos. Vamos ao seu encontro no momento certo.
Muitas vezes não me importo nada de andar de costas no autocarro.