terça-feira, dezembro 06, 2005
Futuro presente
Desistência. Renúncia. Desilusão. Desespero. Inoperância. Vácuo. Opressão. Pressão. Cegueira. Desgosto. Tristeza. Solidão. Vazio. Inutilidade. Nulidade. Inocuidade. Inépcia. Inanidade. Depressão. Frieza. Insensibilidade. Estupidez. Invalidez. Deserção. Derrota. Desvirtuação. Deposição. Queda.
segunda-feira, novembro 28, 2005
Em erro
Quero que desapareçam todas da minha vida, género maldito. Quero que desapareçam dos meus dias. Quero que desapareçam todas das minhas memórias. Quero que desapareçam todas do meu coração.
Maldito seja tu, órgão propulsionador do corpo humano. Que fraco és perante a belezas que te foram apresentadas. Nunca conseguiste aguentar a pressão de estar vago. Nunca a liberdade te aprazou. Com medo de estar morto foste saltando de frustração em frustração porque deste modo podias dizer que sofrias com algo nobre e belo apesar de tudo isso te apertar de forma esmagador após maravilhado do impacto e depois da descoberta da anunciada recusa.
A frustração encheu-te sempre e continuas a cair em erro.
Maldito seja tu, órgão propulsionador do corpo humano. Que fraco és perante a belezas que te foram apresentadas. Nunca conseguiste aguentar a pressão de estar vago. Nunca a liberdade te aprazou. Com medo de estar morto foste saltando de frustração em frustração porque deste modo podias dizer que sofrias com algo nobre e belo apesar de tudo isso te apertar de forma esmagador após maravilhado do impacto e depois da descoberta da anunciada recusa.
A frustração encheu-te sempre e continuas a cair em erro.
quarta-feira, novembro 09, 2005
Passo final
Apesar de insistir para que não o fizesse, continuei. As suas lágrimas incomodavam-me mas não quis saber disso. Para quê estas lágrimas? Mais um empecilho à minha decisão de acabar com aquilo. Depois seria tudo melhor, sem ela. Pareciam mesmo reais a dor e o sofrimento que ela tentava expressar. Pareciam, digo eu, ela dizia que aquilo era verdadeiro. Não era para que eu tivesse dó. Eu continuei como se não houvesse amanhã. E não haveria mesmo.
Aproximei-me dela, fiquei a escassos centímetros. Mostrava-lhe o que acabaria com o sofrimento. Vi nos olhos dela o terror. Pus-lhe a mão sobre a esquerda do peito e senti o palpitar vertiginoso do seu coração. Vai daí e ela estava mesmo aterrorizada com o que pensava que e iria suceder! Quem sabe? O seu rosto deformado chorava uivando perante a possível perda da vida.
Possível, não. Iria mesmo acontecer.
Ouvia implorar e rogar que não, que não continuasse. Apetecia-me bater-lhe, já me incomodava. No entanto, nunca seria capaz de a agredir e manchar as minhas mãos com tal acto. Prossegui tentando ignorar os seus gritos de que tudo seria diferente daí em diante e retomaríamos um caminho harmonioso e feliz.
Não quero saber. Vou ter de acabar com tudo rapidamente porque também já me sinto extenuado. Cansado. Esta tortura já dura largos minutos e tencionava despachar isso muito rapidamente. Tinha sido um caminho de flagelo mas tudo superficial. Os golpes aplicados com teriam dado um bom quadro de sentimentos confusos sobre uma tela. O peito era uma mancha penosamente confusa de rasgões sobre a carne com lascas ainda pendentes, outras espalhadas já pelo chão daquele compartimento. O mindinho arrancado dolorosamente era caminhado por formigas que cruzavam o assoalhado. As membranas interdigitais não existiam, o palmo havia aumentado. Fios de sangue escorriam pernas abaixo. Vários centímetros foram penetrados em carne até sentir tocar o fémur e a perna parecer em postas. O sorriso que havia sido elogiado anteriormente alargara-se à direita com um extenso lábio inferior pendente. Vislumbravam-se dentes abundantemente ensanguentados.
A tudo isto ela tinha dito não, não faças isso! Tinha chorado copiosamente em dor, disse ela, a cada mutilação. Só faltava o passo final.
Havia sido uma grande compra para o trem de cozinha aquela faca de trinchar sempre mantida bem afiada. Aproximei-a da garganta perante o choro convulsivo e gritos lancinantes. Só faltava isto. Gesto rápido e cirurgicamente preciso, desfilou profundamente da esquerda para a direita, torneando o pescoço, apanhando num segundo jugular e garganta, rasgando todos os tecidos à passagem. Um jorro de quente desceu peito abaixo na carne descoberta do peito.
Já quase não a ouvia. Ansiara a aquele momento há algum tempo e havia chegado. Felizmente. Sentira apenas uma fria e aguda dor correr o pescoço, a dor de carne cortada. Tudo estaria acabado em breves segundo. Deixei-me cair no chão, aliviado. As últimas convulsões de um corpo que se esvai de vida. Ela continuava do outro lado da grade que nos separava naquele compartimento.
Poderia ter sido de outra forma mas já não suportava a pressão de viver a teu lado, nem a certeza de te ver não te tendo a meu lado. Fechei os olhos e vi pela última vez o teu rosto vivo.
Morri…
Aproximei-me dela, fiquei a escassos centímetros. Mostrava-lhe o que acabaria com o sofrimento. Vi nos olhos dela o terror. Pus-lhe a mão sobre a esquerda do peito e senti o palpitar vertiginoso do seu coração. Vai daí e ela estava mesmo aterrorizada com o que pensava que e iria suceder! Quem sabe? O seu rosto deformado chorava uivando perante a possível perda da vida.
Possível, não. Iria mesmo acontecer.
Ouvia implorar e rogar que não, que não continuasse. Apetecia-me bater-lhe, já me incomodava. No entanto, nunca seria capaz de a agredir e manchar as minhas mãos com tal acto. Prossegui tentando ignorar os seus gritos de que tudo seria diferente daí em diante e retomaríamos um caminho harmonioso e feliz.
Não quero saber. Vou ter de acabar com tudo rapidamente porque também já me sinto extenuado. Cansado. Esta tortura já dura largos minutos e tencionava despachar isso muito rapidamente. Tinha sido um caminho de flagelo mas tudo superficial. Os golpes aplicados com teriam dado um bom quadro de sentimentos confusos sobre uma tela. O peito era uma mancha penosamente confusa de rasgões sobre a carne com lascas ainda pendentes, outras espalhadas já pelo chão daquele compartimento. O mindinho arrancado dolorosamente era caminhado por formigas que cruzavam o assoalhado. As membranas interdigitais não existiam, o palmo havia aumentado. Fios de sangue escorriam pernas abaixo. Vários centímetros foram penetrados em carne até sentir tocar o fémur e a perna parecer em postas. O sorriso que havia sido elogiado anteriormente alargara-se à direita com um extenso lábio inferior pendente. Vislumbravam-se dentes abundantemente ensanguentados.
A tudo isto ela tinha dito não, não faças isso! Tinha chorado copiosamente em dor, disse ela, a cada mutilação. Só faltava o passo final.
Havia sido uma grande compra para o trem de cozinha aquela faca de trinchar sempre mantida bem afiada. Aproximei-a da garganta perante o choro convulsivo e gritos lancinantes. Só faltava isto. Gesto rápido e cirurgicamente preciso, desfilou profundamente da esquerda para a direita, torneando o pescoço, apanhando num segundo jugular e garganta, rasgando todos os tecidos à passagem. Um jorro de quente desceu peito abaixo na carne descoberta do peito.
Já quase não a ouvia. Ansiara a aquele momento há algum tempo e havia chegado. Felizmente. Sentira apenas uma fria e aguda dor correr o pescoço, a dor de carne cortada. Tudo estaria acabado em breves segundo. Deixei-me cair no chão, aliviado. As últimas convulsões de um corpo que se esvai de vida. Ela continuava do outro lado da grade que nos separava naquele compartimento.
Poderia ter sido de outra forma mas já não suportava a pressão de viver a teu lado, nem a certeza de te ver não te tendo a meu lado. Fechei os olhos e vi pela última vez o teu rosto vivo.
Morri…
terça-feira, novembro 08, 2005
Um dia
Um dia há-de vir em que te terei. Um dia... E nesse momento, estarei feliz.
Poder-te-ei dar mão sem pensar a cada segundo que passa, Que raio estou eu aqui a fazer, sentido a tua pele na minha mão. Não ser só a mão de quem puxa um ser completamente embriagado e amorfo. Alguém que se deixa puxar pela tua compaixão, que não percebe que só tento não sentir e fugir. Ou fazes que não percebes e não me dizes nada.
Na verdade, nem vale a pena dizeres nada. Seria como os prémios de consolação e até já conheço o discurso de agradecimento de cor e salteado. Só me faria sentir pior porque sei que coisa alguma alterará as coisas. Só o acaso… Só o acaso… O acaso… O acaso… O acaso do amor... Essa execrável coisa que brota do coração.
O ódio e o desprezo mais valeriam.
Poder-te-ei dar mão sem pensar a cada segundo que passa, Que raio estou eu aqui a fazer, sentido a tua pele na minha mão. Não ser só a mão de quem puxa um ser completamente embriagado e amorfo. Alguém que se deixa puxar pela tua compaixão, que não percebe que só tento não sentir e fugir. Ou fazes que não percebes e não me dizes nada.
Na verdade, nem vale a pena dizeres nada. Seria como os prémios de consolação e até já conheço o discurso de agradecimento de cor e salteado. Só me faria sentir pior porque sei que coisa alguma alterará as coisas. Só o acaso… Só o acaso… O acaso… O acaso… O acaso do amor... Essa execrável coisa que brota do coração.
O ódio e o desprezo mais valeriam.
Destino
Há pessoas que vivem para não morrer.
Outras haverá que vivem para morrer.
Outras ainda as há que morrem para viver.
Mais, haverá aquelas que morrem para não viver.
Outras haverá que vivem para morrer.
Outras ainda as há que morrem para viver.
Mais, haverá aquelas que morrem para não viver.
Fase
Isto há-de ir embora mais dia, menos dia. É só uma fase. Creio…
Imagina que esta vida é apenas uma parte de uma existência eterna, ou pelo menos mais além, que se prolongará depois do seu fim. Então, esta decadência, esta auto-destruição como tu definiste, não deixará de ser só uma fase, como eu designei para me desculpar. Quando chegar a morte biológica estarei numa outra parte da existência, entrarei noutra fase. Aí, começarei de novo e abandonarei esta figura desiludida. Acreditas nisto? Bom!
Asseguro-to, eu não acredito em nada para lá da morte, excepção feita ao decaimento das carnes. Chegado a esse ponto, fim.
Imagina que esta vida é apenas uma parte de uma existência eterna, ou pelo menos mais além, que se prolongará depois do seu fim. Então, esta decadência, esta auto-destruição como tu definiste, não deixará de ser só uma fase, como eu designei para me desculpar. Quando chegar a morte biológica estarei numa outra parte da existência, entrarei noutra fase. Aí, começarei de novo e abandonarei esta figura desiludida. Acreditas nisto? Bom!
Asseguro-to, eu não acredito em nada para lá da morte, excepção feita ao decaimento das carnes. Chegado a esse ponto, fim.
quarta-feira, novembro 02, 2005
Indefinido
Creio que passo demasiado tempo sozinho. Não há espaço para um convívio mais aberto, um desabafo mais pesado. Não há espaço para divagações imbecis de qualquer género, delírios ou sentidos.
Sinto-me sentidamente de rastos. Acabado mesmo. Amalgama indistinguível.
Como querer algo ti? Para mim és uma incógnita tão grande, tal como sou para mim próprio. És-me estranha, sou-me estranho. És bonita. Beijo.
Sinto-me sentidamente de rastos. Acabado mesmo. Amalgama indistinguível.
Como querer algo ti? Para mim és uma incógnita tão grande, tal como sou para mim próprio. És-me estranha, sou-me estranho. És bonita. Beijo.
Cinza
Um dia houve em que olhou da almofada de sua cama para lá do vidro da janela e o único pensamento que lhe passou pela cabeça foi se hoje já seria amanhã. No dia anterior, lembrou, havia tido o mesmíssimo pensamento. Será que hoje já é amanhã? Isto torna-se cada vez mais uma ideia recorrente. Será que se deveria preocupar com esta repetição? Talvez não. Provavelmente é só mais uma fase. Mas que raio de fase é esta, homem?
Está cinzento o céu lá fora. Nem apetece levantar. Mesmo nada. Vai deixar-se ficar. Só mais cinco minutinhos. Ainda para mais apanhou frio ontem à noite e agora o nariz entupiu, a cabeça pesa. Custa respirar. Mais cinco minutos.
Fecha os olhos e tenta pensar em coisas agradáveis que o possam fazer sair do confortável dos lençóis. Não seria difícil à primeira vista. As superfícies. Então, e algo pelo qual valha mesmo apenas levantar? Fecha ainda mais olhos como quando criança para afastar os medos maiores. Engraçado que se fecharmos os olhos com maior força os medos não são tão susceptíveis de nos atingir. Nada.
Está bem, vamos lá! Ah, convicção! Isso mesmo rapaz. Vamos preparar-nos para mais um dia premonitório. Mais vinte e quatro horas de visibilidade indiferente. Vamos fingir que temos relevo. Uma banhoca para acordar. Água quente sobre a cabeça para que a dureza da manhã não apague logo o conforto da noite dormida. No final, arrefece-se a água alguns graus para sentir a contracção muscular e o corpo vivo. Que bem se está!
Está cinzento o céu lá fora. Nem apetece levantar. Mesmo nada. Vai deixar-se ficar. Só mais cinco minutinhos. Ainda para mais apanhou frio ontem à noite e agora o nariz entupiu, a cabeça pesa. Custa respirar. Mais cinco minutos.
Fecha os olhos e tenta pensar em coisas agradáveis que o possam fazer sair do confortável dos lençóis. Não seria difícil à primeira vista. As superfícies. Então, e algo pelo qual valha mesmo apenas levantar? Fecha ainda mais olhos como quando criança para afastar os medos maiores. Engraçado que se fecharmos os olhos com maior força os medos não são tão susceptíveis de nos atingir. Nada.
Está bem, vamos lá! Ah, convicção! Isso mesmo rapaz. Vamos preparar-nos para mais um dia premonitório. Mais vinte e quatro horas de visibilidade indiferente. Vamos fingir que temos relevo. Uma banhoca para acordar. Água quente sobre a cabeça para que a dureza da manhã não apague logo o conforto da noite dormida. No final, arrefece-se a água alguns graus para sentir a contracção muscular e o corpo vivo. Que bem se está!
Autocarro
Será que a vida tem alguma semelhança com a escolha de lugar num autocarro quando se hipóteses de escolha?
Sentamos de costas quando não queremos encarar a vida de frente. Só vemos as coisas passarem e afastarem-se. Já não dá para lhes apreciarmos a beleza e as oportunidades. Vão-se embora.
Sentamos de frente quando estamos abertos à novidade. Conseguimos ver as oportunidades e tocamos para nela ficarmos. Vamos ao seu encontro no momento certo.
Muitas vezes não me importo nada de andar de costas no autocarro.
Sentamos de costas quando não queremos encarar a vida de frente. Só vemos as coisas passarem e afastarem-se. Já não dá para lhes apreciarmos a beleza e as oportunidades. Vão-se embora.
Sentamos de frente quando estamos abertos à novidade. Conseguimos ver as oportunidades e tocamos para nela ficarmos. Vamos ao seu encontro no momento certo.
Muitas vezes não me importo nada de andar de costas no autocarro.
quarta-feira, outubro 12, 2005
Acalmia
Num momento de acalmia resolveu dar-lhe um beijo. Ela chorava inaudivelmente. Como seria possível ter feito tal coisa. A rapariga já não se conseguia levantar. Provavelmente partiu-lhe qualquer coisa. Teria sido o pontapé que lhe havia enviado ao joelho ou teria sido o facto de lhe ter pisado esse mesmo joelho quando ele se encontrava totalmente esticado. Já não se lembra. O mais certo é que ambas as acções tenham levado a tal fim.
Afastou-se dela e foi sentar-se ao fundo da cama. Acendeu um cigarro e inalou profundamente o fumo. Sentia a ira a dissipar-se naquele pedaço de vício. Tremia já menos. Já não ouvia a rapariga. Tinha-a eliminado do seu presente. Daquele momento. Por que razão a havia iniciado a espancar não sabe. Não era por ciúmes pois não mantinham qualquer tipo de relação, para além de serem simples conhecidos de café. Não era por repulsa porque até lhe agradava o ar alegre, descontraído mas com traços de quem observa tudo atentamente. Na realidade, não haviam razões.
Apenas lhe apetecera. Primeiramente queria só assustá-la. Talvez nem isso. Tinham estado a conversar e conversa tornara-se sussurrada. Sentia-se uma tensão aproximadora. Falavam cada vez mais por monólogos pois o movimento dos seus lábios era quase exclusivamente o da aproximação mútua. Estavam prestes a beijarem-se.
O impacto do primeiro estalo pô-la sangrar do nariz. A rapariga olhou-o estupefacta. Que se estaria a passar ali? Nada fazia esperar isto. Que lhe teria passado pela cabeça. O seu olhar inquiridor recebeu os nós dos dedos dele em cheio no sobrolho. Saiu-lhe um grito doloroso da garganta. Breve, muito breve foi esse grito. Ele lançou-lhe as mãos à garganta abafando-o. E não parava de apertar enquanto lhe desferia violentas joelhadas no abdómen e no abaixo ventre.
Olhou-a fundo nos olhos. Via-os injectados de medo. Injectados de sangue aterrorizado. Atirou-a com força de encontro à mesa onde embateu com violência ruidosa. Não havia problema, estavam sós em casa. A rapariga tentou recompor-se. Viu-a virar-se e procurar a porta. Estava para trás dele. Ele aproximou-se e pontapeou-a fortemente o joelho, fazendo-a vergar-se e agarrar-se ao joelho ardente em dor.
Estava confusa. Não percebia. Não gritava, não pedia ajuda. Tinha o pensamento parado pela perplexidade. Sentiu então uma lancinante dor na boca. Percebeu que tinha sido violentamente pontapeada na boca. Sentiu o sabor quente do sangue encher-lhe a boca e escorrer-lhe pelo queixo abaixo. Cuspiu e viu dois dentes voarem em direcção ao chão. Sentiu vontade de vomitar. Quando iria este sufoco parar?
Ele ganhou fôlego e agarrando-lhe fortemente os longos cabelos com uma mão. Agitou-lhe a cabeça ferozmente. Começou a esmurrar-lhe a cabeça. Estava a ficar cansado mais ainda não conseguia parar. Sentia uma demoníaca adrenalina correr-lhe as veias. Enfim atirou-a para uma cadeira. Ela acabou por se sentar refastelada. Pernas esticadas. Pernas esticadas, pensou ele. Pisou o joelho direito. Foi o último e longo grito que ela lançou, caindo ao mesmo tempo da cadeira.
Ela chorava. Rogava silenciosamente para que tudo parasse. Que tudo fosse um pesadelo. Mas e as dores? Dizem que os sonhos são indolores. Viu-o aproximar. Poderia ser desta vez que acabasse com aquele sofrimento e a matasse. Ele agachou-se e beijou-lhe a face, afastando-se para se sentar e fumar.
Agora estava feia. Esmurrada, ensanguentada. Não era a mesma que o acompanhara a casa no início deste serão. Levantou-se e olhou-a com nojo. Como poderia ter feito isto? Levantou o pé e assentou-o com toda a força que possuía sobre o pescoço da rapariga
“Claro que foi o joelho! Até se ouviu o barulho quando o pisei!”
Afastou-se dela e foi sentar-se ao fundo da cama. Acendeu um cigarro e inalou profundamente o fumo. Sentia a ira a dissipar-se naquele pedaço de vício. Tremia já menos. Já não ouvia a rapariga. Tinha-a eliminado do seu presente. Daquele momento. Por que razão a havia iniciado a espancar não sabe. Não era por ciúmes pois não mantinham qualquer tipo de relação, para além de serem simples conhecidos de café. Não era por repulsa porque até lhe agradava o ar alegre, descontraído mas com traços de quem observa tudo atentamente. Na realidade, não haviam razões.
Apenas lhe apetecera. Primeiramente queria só assustá-la. Talvez nem isso. Tinham estado a conversar e conversa tornara-se sussurrada. Sentia-se uma tensão aproximadora. Falavam cada vez mais por monólogos pois o movimento dos seus lábios era quase exclusivamente o da aproximação mútua. Estavam prestes a beijarem-se.
O impacto do primeiro estalo pô-la sangrar do nariz. A rapariga olhou-o estupefacta. Que se estaria a passar ali? Nada fazia esperar isto. Que lhe teria passado pela cabeça. O seu olhar inquiridor recebeu os nós dos dedos dele em cheio no sobrolho. Saiu-lhe um grito doloroso da garganta. Breve, muito breve foi esse grito. Ele lançou-lhe as mãos à garganta abafando-o. E não parava de apertar enquanto lhe desferia violentas joelhadas no abdómen e no abaixo ventre.
Olhou-a fundo nos olhos. Via-os injectados de medo. Injectados de sangue aterrorizado. Atirou-a com força de encontro à mesa onde embateu com violência ruidosa. Não havia problema, estavam sós em casa. A rapariga tentou recompor-se. Viu-a virar-se e procurar a porta. Estava para trás dele. Ele aproximou-se e pontapeou-a fortemente o joelho, fazendo-a vergar-se e agarrar-se ao joelho ardente em dor.
Estava confusa. Não percebia. Não gritava, não pedia ajuda. Tinha o pensamento parado pela perplexidade. Sentiu então uma lancinante dor na boca. Percebeu que tinha sido violentamente pontapeada na boca. Sentiu o sabor quente do sangue encher-lhe a boca e escorrer-lhe pelo queixo abaixo. Cuspiu e viu dois dentes voarem em direcção ao chão. Sentiu vontade de vomitar. Quando iria este sufoco parar?
Ele ganhou fôlego e agarrando-lhe fortemente os longos cabelos com uma mão. Agitou-lhe a cabeça ferozmente. Começou a esmurrar-lhe a cabeça. Estava a ficar cansado mais ainda não conseguia parar. Sentia uma demoníaca adrenalina correr-lhe as veias. Enfim atirou-a para uma cadeira. Ela acabou por se sentar refastelada. Pernas esticadas. Pernas esticadas, pensou ele. Pisou o joelho direito. Foi o último e longo grito que ela lançou, caindo ao mesmo tempo da cadeira.
Ela chorava. Rogava silenciosamente para que tudo parasse. Que tudo fosse um pesadelo. Mas e as dores? Dizem que os sonhos são indolores. Viu-o aproximar. Poderia ser desta vez que acabasse com aquele sofrimento e a matasse. Ele agachou-se e beijou-lhe a face, afastando-se para se sentar e fumar.
Agora estava feia. Esmurrada, ensanguentada. Não era a mesma que o acompanhara a casa no início deste serão. Levantou-se e olhou-a com nojo. Como poderia ter feito isto? Levantou o pé e assentou-o com toda a força que possuía sobre o pescoço da rapariga
“Claro que foi o joelho! Até se ouviu o barulho quando o pisei!”
Desiludidos
Há pessoas que vivem para não morrer. Pelo menos, no futuro mais próximo. Outras haverá que vivem para morrer. Isso é uma inevitabilidade. Outras ainda as há que morrem para viver. Alguém por elas foi marcado. Mais, haverá aquelas que morrem para não viver.
segunda-feira, setembro 19, 2005
Conta divina
Três parece a conta que Deus fez. Por que razão só essa? … É o limiar da saturação, do tédio, da rotina. O escape, a fuga para a frente. A sujeição a uma maioria, a subjugação a uma força superior. Um evoluir.
Sensações
Sentir a grandeza infinita do corpo escapar fluidamente pelo espaço. Cada molécula, cada átomo, seguirem por cada interstício do espaço, refluindo a cada esquina do ar. Fugir como um ponto infinito, não infinitesimal. Sentir tudo o que abarcável pela imensidão de área de cada ponto corporal num só espaço tremendamente denso. Num buraco negro de sentimentos, emoções e sensações. Esvair como num placebo retirando cada instante à sua significância para condensar ao expoente máximo, inimaginável até… até para além disso.
quinta-feira, setembro 15, 2005
Recomeço
Dillon: Why? Why are the innocent punished? Why the sacrifice? Why the pain? There aren't any promises. Nothing certain. Only that some get called, some get saved. She won't ever know the hardship and grief for those of us left behind. We commit these bodies to the void with a glad heart. For within each seed, there is a promise of a flower, and within each death, no matter how small, there is always a new life. A new beginning. Amen.
Alien³, by David Fincher (1992)
Alien³, by David Fincher (1992)
sexta-feira, setembro 02, 2005
Depressives
Das verdades
...mas quanto às opiniões que até então aceitava como verdadeiras, persuadi-me que nada melhor podia fazer do que dispôr-me a suspender a sua aceitação, afim de as substituir por outras melhores, ou de as aceitar de novo, depois de as ajustar ao nível da razão.
E acreditei firmemente que desta maneira conseguiria conduzir a minha vida muito melhor do que se a construisse apenas sobre velhos alicerces, e não me apoiasse senão sobre os princípios por que me tinha deixado persuadir na mocidade, sem nunca ter examinado se eram verdadeiras.
Descartes, "Discurso do Método"
E acreditei firmemente que desta maneira conseguiria conduzir a minha vida muito melhor do que se a construisse apenas sobre velhos alicerces, e não me apoiasse senão sobre os princípios por que me tinha deixado persuadir na mocidade, sem nunca ter examinado se eram verdadeiras.
Descartes, "Discurso do Método"
quarta-feira, agosto 31, 2005
Do sonho
Talvez este não seja o melhor começo. Começar com algo que não é meu mas creio que vale a pena ler.
É o maior dos lugares-comuns dizer que o homem não vive sem esperança, sonho, fé. Dos comerciais de tênis aos livros de Paulo Coelho, das reportagens de esportes às palestras em empresas, dosfinais de filmes e novelas às conversas em praças e bares, somos expostos continuamente a esses “chamados”, ora com palavras da moda (“auto-estima”, “motivação”), ora com slogans lucrativos (just do it, “guerreiro da luz”), ora com provérbios antigos (“a última que morre etc.”). Há tantas “mensagens de esperança” que a ansiedade por elas só faz aumentar. Pode-se parafrasear La Rochefoucauld: senão se falasse tanto em esperança, as pessoas não esperariam tanto.Por isso mesmo, quanto mais bichos-papões, melhor, pois a mídia vive desse pêndulo perpétuo entre assustar o público com tragédias, crimes e guerras e consolá-lo em seguida com a idéia de que “a fé não costuma falhar”. Daí o sucesso de filmes-catástrofes e épicos históricos, que voltaram a dominar o cinemão depois do 11 de setembro; eles dão ao espectador uma sensação de proximidade com o apocalipse e, em seguida, como desfecho, uma garantia de paz, amor e reequilíbrio. O otimismo dá as cartas em nosso mundo e, mesmo que este tenha melhorado em muitos aspectos, a ênfase é sempre nas razões para exacerbar aquele. É óbvio que um indivíduo e um grupo de indivíduos precisam desse sentimento de que é possível atenuar sofrimentos e obter avanços materiais e espirituais. Precisam de ânimo, auto-respeito,autoconfiança, disposição em seguir adiante. Mais ainda, precisam fazer uso desse diferencial que constitui a natureza humana: a capacidade de imaginação, não no sentido de fantasia, mas no sentidode criatividade, de elaboração de hipóteses, cenários, reformulações. Nossa biologia é dotada da capacidade de perceber padrões na realidade exterior, estimar previsões a partir deles e tentar influir ou reagir de alguma forma. Tal atributo mental se traduz na linguagem, na consciência, na habilidade de dar nomes, identificar processos, inventar instrumentos de observação, construção e adaptação. E isso seria impossível sem um impulso vital, que se origina da necessidade de sobrevivência, mas que se desdobra em uma variedade inigualável demodos de convívio, expressão e prazer. O mais amargo dos filósofos se agarra à vida; em geral, é amargo porque queria que ela fosse melhor e, logo, importa-se profundamente com ela. “O positivo já nos está dado”, escreveu Franz Kafka, o escritor que melhor enxergou que o desejo de esperança é como a cobra que morde o próprio rabo, um ciclo de auto-alimentação que nos convence de que a fome é sempre maior que a satisfação. “O que nos falta é consumar o negativo”. O que nos falta é poder ter maior resistência às frustrações, é de alguma maneira conseguir atenuar o jogo de polarizações, o teatro de compensações: o desespero que gera a esperança que gera o desespero; o encanto que, por definição, sempre se quebra, senão não seria encanto, e que dá corda para um desencanto que parece dar o tom maior; em suma, a eterna espera por uma redenção, e não apenas pelo instante seguinte de alegria e bem-estar. A questão, portanto, não é aceitar a realidade, conformar-se com as mazelas e fatalidades, abaixar a cabeça para os revertérios da vida; mas é ser mais forte, é reagir com mais rapidez, é ter um lembrete mental de que aquilo pode ser um engano. Freud, no final da carreira, chegou a falar em uma “ansiedade realista”, em um estado de espírito que reconhece a carência essencial da condição humana e, no entanto, resiste aos apelos por uma solução plena, por uma panacéia, por um emplastro de todos os emplastros. Como bem ilustram os brasileiros, fatalismo (“isto aqui não tem jeito mesmo”) e ilusão (“o país do futuro”) são irmãos siameses, inseparáveis. No caso de um conceito como utopia, a complicação é maior. O próprio livro de Thomas Morus, de 1516, é um projeto... utópico: seu anseio era descrever um mundo ideal em que prazeres e virtudes se somassem, em que os valores do paganismo grego se harmonizassem com os do cristianismo medieval, em que epicurismo e estoicismo se conciliassem de modo definitivo, para que assim se renovasse a sociedade européia em todos os aspectos – moral, econômico, político, religioso. Trata-se da obra de um humanista, influenciado pelo grande Erasmo (autor do “Elogio da Loucura”), e que ao mesmo tempo é um político e crente que sonha preservar a Igreja. More, embora defendesse eleições democráticas e tolerâncias religiosas, queria abolir, por exemplo, a propriedade privada, numa espécie de pré-comunismo (o que confirma o quanto há de impulso religioso na ideologia comunista). Bem, hoje sabemos que não foi assim que uma boa parte das sociedades modernas resolveu seus principais problemas... A própria utopia desenhada por Marx e Engels não é nada hoje, até mesmo porque suas profecias sobre a decadência inevitável do capitalismo não se realizaram. Pressões operárias por melhor repartição do capital podem existir sem a fantasia socialista. Há que se distinguir idealismo e inconformismo. O inconformismo é o gesto de cidadãos críticos e criativos que querem uma sociedade mais justa e educada. O idealismo é a suposição de que precisamos de um sistema capaz de solucionar tudo de uma vez. Quanto mais bela a utopia no papel, mais estrago causa.
Daniel Piza, editor-executivo e colunista de O Estado de S. Paulo
É o maior dos lugares-comuns dizer que o homem não vive sem esperança, sonho, fé. Dos comerciais de tênis aos livros de Paulo Coelho, das reportagens de esportes às palestras em empresas, dosfinais de filmes e novelas às conversas em praças e bares, somos expostos continuamente a esses “chamados”, ora com palavras da moda (“auto-estima”, “motivação”), ora com slogans lucrativos (just do it, “guerreiro da luz”), ora com provérbios antigos (“a última que morre etc.”). Há tantas “mensagens de esperança” que a ansiedade por elas só faz aumentar. Pode-se parafrasear La Rochefoucauld: senão se falasse tanto em esperança, as pessoas não esperariam tanto.Por isso mesmo, quanto mais bichos-papões, melhor, pois a mídia vive desse pêndulo perpétuo entre assustar o público com tragédias, crimes e guerras e consolá-lo em seguida com a idéia de que “a fé não costuma falhar”. Daí o sucesso de filmes-catástrofes e épicos históricos, que voltaram a dominar o cinemão depois do 11 de setembro; eles dão ao espectador uma sensação de proximidade com o apocalipse e, em seguida, como desfecho, uma garantia de paz, amor e reequilíbrio. O otimismo dá as cartas em nosso mundo e, mesmo que este tenha melhorado em muitos aspectos, a ênfase é sempre nas razões para exacerbar aquele. É óbvio que um indivíduo e um grupo de indivíduos precisam desse sentimento de que é possível atenuar sofrimentos e obter avanços materiais e espirituais. Precisam de ânimo, auto-respeito,autoconfiança, disposição em seguir adiante. Mais ainda, precisam fazer uso desse diferencial que constitui a natureza humana: a capacidade de imaginação, não no sentido de fantasia, mas no sentidode criatividade, de elaboração de hipóteses, cenários, reformulações. Nossa biologia é dotada da capacidade de perceber padrões na realidade exterior, estimar previsões a partir deles e tentar influir ou reagir de alguma forma. Tal atributo mental se traduz na linguagem, na consciência, na habilidade de dar nomes, identificar processos, inventar instrumentos de observação, construção e adaptação. E isso seria impossível sem um impulso vital, que se origina da necessidade de sobrevivência, mas que se desdobra em uma variedade inigualável demodos de convívio, expressão e prazer. O mais amargo dos filósofos se agarra à vida; em geral, é amargo porque queria que ela fosse melhor e, logo, importa-se profundamente com ela. “O positivo já nos está dado”, escreveu Franz Kafka, o escritor que melhor enxergou que o desejo de esperança é como a cobra que morde o próprio rabo, um ciclo de auto-alimentação que nos convence de que a fome é sempre maior que a satisfação. “O que nos falta é consumar o negativo”. O que nos falta é poder ter maior resistência às frustrações, é de alguma maneira conseguir atenuar o jogo de polarizações, o teatro de compensações: o desespero que gera a esperança que gera o desespero; o encanto que, por definição, sempre se quebra, senão não seria encanto, e que dá corda para um desencanto que parece dar o tom maior; em suma, a eterna espera por uma redenção, e não apenas pelo instante seguinte de alegria e bem-estar. A questão, portanto, não é aceitar a realidade, conformar-se com as mazelas e fatalidades, abaixar a cabeça para os revertérios da vida; mas é ser mais forte, é reagir com mais rapidez, é ter um lembrete mental de que aquilo pode ser um engano. Freud, no final da carreira, chegou a falar em uma “ansiedade realista”, em um estado de espírito que reconhece a carência essencial da condição humana e, no entanto, resiste aos apelos por uma solução plena, por uma panacéia, por um emplastro de todos os emplastros. Como bem ilustram os brasileiros, fatalismo (“isto aqui não tem jeito mesmo”) e ilusão (“o país do futuro”) são irmãos siameses, inseparáveis. No caso de um conceito como utopia, a complicação é maior. O próprio livro de Thomas Morus, de 1516, é um projeto... utópico: seu anseio era descrever um mundo ideal em que prazeres e virtudes se somassem, em que os valores do paganismo grego se harmonizassem com os do cristianismo medieval, em que epicurismo e estoicismo se conciliassem de modo definitivo, para que assim se renovasse a sociedade européia em todos os aspectos – moral, econômico, político, religioso. Trata-se da obra de um humanista, influenciado pelo grande Erasmo (autor do “Elogio da Loucura”), e que ao mesmo tempo é um político e crente que sonha preservar a Igreja. More, embora defendesse eleições democráticas e tolerâncias religiosas, queria abolir, por exemplo, a propriedade privada, numa espécie de pré-comunismo (o que confirma o quanto há de impulso religioso na ideologia comunista). Bem, hoje sabemos que não foi assim que uma boa parte das sociedades modernas resolveu seus principais problemas... A própria utopia desenhada por Marx e Engels não é nada hoje, até mesmo porque suas profecias sobre a decadência inevitável do capitalismo não se realizaram. Pressões operárias por melhor repartição do capital podem existir sem a fantasia socialista. Há que se distinguir idealismo e inconformismo. O inconformismo é o gesto de cidadãos críticos e criativos que querem uma sociedade mais justa e educada. O idealismo é a suposição de que precisamos de um sistema capaz de solucionar tudo de uma vez. Quanto mais bela a utopia no papel, mais estrago causa.
Daniel Piza, editor-executivo e colunista de O Estado de S. Paulo
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